domingo, janeiro 10

Graças a Deus! ... e ao Diabo!

Liane Alves da Revista Vida Simples me fez algumas perguntas:


Qual a diferença de ser bom e ser bobo? Ou toda bondade se reveste de um pouco de ingenuidade, de pureza? E o que é maldade? Existe gente que sente prazer em prejudicar? Ou é questão de sobrevivência? Existe um mal que possa ser justificado? Por que o mal parece mais forte e presente do que o bem?O que é ser bom? Existe alguém totalmente bom? Ou a gente é bom eventualmente? Se é eventualmente, existe gente com maior capacidade de ser boa do que outras? O que capacita o ser humano a exercitar a bondade? É coisa de nascença? De criação? O pessoal do campo é mais generoso do que o da cidade? Por quê?O que é ser bom? Existe alguém totalmente bom? Ou a gente é bom eventualmente? Se é eventualmente, existe gente com maior capacidade de ser boa do que outras? O que capacita o ser humano a exercitar a bondade? É coisa de nascença? De criação? O pessoal do campo é mais generoso do que o da cidade? Por quê?
Por mais que tenha me esforçado bem sei que o tempo disponível - pouco mais que uma manhã entre análises de alguns pacientes - e meus limites intelectuais, não me permitiram ir além do que transcrevo abaixo. Espero que tenha ajudado a pensar um rumo para novas questões. Quero voltar ao tema no futuro...
Existem pessoas mais, digamos, predispostas a amar. Trata-se, segundo entendo, de umas pessoas que se desenvolveram de criança em adulto, em um meio onde houve uma fusão inicial suficientemente boa entre o corpo do bebê e o corpo da mãe (ou de alguém que fez a maternagem); onde essa mãe, sem ser intrusiva – impondo o que se deve ou não se deve sentir, sem ser evasiva – deixando tudo por conta do bebê pensar, sem ser violadora – vendo tudo, adivinhando tudo, respondendo tudo, consegue estar com seu bebê numa forma de um corpo para dois, uma alma para dois, uma mente para dois, até que a criança possa criar um mundo para habitar. É muito importante que a criança possa criar a realidade e não deparar-se com algo pronto que se lhe enfiem goela abaixo. Se não for assim como poderia amar o outro ou o mundo? Se não foi criação própria, de um eu crível, amável? Como poder amar algo radicalmente diferente de si se não for por meio desta criação inicial, que dá a sensação de que aquilo que se ama é parecido consigo próprio por que foi criado por nós? O que digo aqui é inspirado nas teorias de Winnicott, psicanalista inglês, que pensou um estado inicial do bebê – estágio do concernimento – onde o bebê inicial começa a dar sinais de que sente no lugar da mãe – a dor no seio, o cansaço etc.
O bebê nascente é assolado pela crueldade, sem concernimento; não tem consideração pela mãe e sua carne exige a nutrição e tão somente. Ao chegar no concernimento o bebê já pode fazer um gesto reparador; isso significa que já pode se colocar no lugar do outro e tentar reparar os males que lhe causou. Essa é, em resumo, a base para se dizer que nascemos cruéis, mas não maus – o que não nos impede de agir brutalmente quando isso é exigido de nós. Alguém que é bom, ou que ama, é aquele que pode, com um trabalho contra a crueza, colocar-se no lugar do outro ou olhar pelo viés do outro; não por que tenha transformado o mal em bem, mas porque desde sempre criou o mundo em que vive. Isso requer dizer que ninguém muda seu olhar pela mágica – ou se está pronto para isso, desde o bebê inicial, segundo o que trouxe acima, ou não se está.
Excetuemos o caso dos psicopatas que não orbitam neste mesmo mundo, podendo dizer com calor, sentimentos pelos quais não são possuídos (não possuímos sentimentos, como os psicopatas; somos possuídos por eles). Eles, os psicopatas não são possuídos por qualquer coisa que seja.
Em geral lidamos há muito tempo com o ódio – da mãe pelo bebê, do bebê pela mãe, do pai pelos dois etc. – e só por isso podemos alcançar a dimensão do amor, que não é falta do ódio (do mal), mas uma relação de compreensão de sua presença. Afinal o eu foi erigido segundo interdições cotidianas odientas e permissões menos cotidianamente gozosas. Entre um caso e outro, nesse sentido, podemos dizer que somos bons e maus; ambíguos no próprio eixo onde giramos. Assim, não há alguém totalmente bom, e nem sempre somos só bons ou maus. Uma vez vi a foto de um grande matador, morto a tiros dentro de um carro, que usara o próprio corpo para salvar a vida de seu bebê de colo. Mas não vestimos peles de cordeiro escondendo um predador; somos tanto um quanto outro. Em geral deixamos, ou somos estimulados a viver segundo bons termos. Muito raramente escapa-se-nos o lado brutal.
Felizmente convive ao lado do sentimento de que a bondade é ingenuidade ou bobeira, o sentimento de que ser bom é ser heróico; isso harmoniza o prumo das nossas relações sociais, pacifica nossas distâncias.
Às vezes causar dor é uma questão de sobrevivência. É por aí que justificamos as guerras, um mal necessário. Mas, no âmbito cotidiano, mais trivial, podemos lutar por uma vaga de emprego, contra um outro que é mais necessitado que nós. Justificamos isso dizendo que as “armas” são as mesmas, que foi um “combate” justo, que o resultado é “isento”. Isso nos alivia a consciência. Mas, para citar só dois exemplos de fracasso dessa justificativa, temos os casos de psicanálise onde uma pessoa fracassa quando faz sucesso, por ter um sentimento difuso e profundo de não merecer o que possui por ter causado dor para chegar aonde chegou. Também é caso daqueles que “fracassam” quando começam a entrever um mecanismo social bem tramado onde muitos dos que vencem usam cartas marcadas (indicações, parentescos, fisiologismo – todos elementos do exercício do poder). Isso sem dizer que as armas não são as mesmas, o combate foi tendencioso e o resultado não isento, porque a sociedade não é justa, igualitária ou isenta. Nesse caso se sentem não merecedores por razões concretas, mas tão difusas e profundas quanto as primeiras,
Uma saída para o dilema será dizer: Graças a Deus eu estava no lugar certo, na hora certa... com as
pessoas certas! E seguir a vida como se houvesse igualdade entre os homens, equanimidade de usufruto de fortuna civil e justeza na distribuição dos resultados do trabalho. Ao crer nisso, justifica-se o absurdo da naturalização do bem e do mal...

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...