quinta-feira, agosto 18

Sartre - o ateu que tinha esperança!

Sartre foi conhecido pela agressividade no combate verbal defendendo suas idéias. Isso ficou muito marcado em suas pendengas quase pessoais, ou demasiado pessoais, se quisermos, mas também tinha um lado, hoje muito escrito, falado e cantado, que podemos rubricar pelo termo "tolerância".
Sua tolerância, contudo, tinha nada a ver com esta pena arrogante que tinge o discurso dos deístas ou teístas; uma prepotência embalada em vestes constituídas de palavras pronunciadas em tom doce e coloquial, mas que chegam ao destino como lâminas cortantes e projéteis perfurantes. E seu fio e projétil são usados principalmente contra a cabeça dos ateus.
Toleram até convincentemente as minorias, mas, quando é o caso de ateus, regridem ao mais primitivo modo de ataque e defesa de seus pontos de vista - os ateus não merecem estar no mesmo mundo, serão julgados e levados aos infernos, seja o que isso queira dizer. Atacam nos ateus uma suposta imoralidade, derrisão, degeneração; são destituídos de coração ou inteligência (pelo menos de um inteligência que valha a pena, quero dizer, que satisfaça os critérios religiosos).
Tudo para dizer que se você é ateu é um perdido, um desgarrado, uma ovelha que não segue o rebanho, um ser vazio e sem sentido (eu ia dizer sem destino, o que Sartre talvez concordasse! Sem destino sim, mas sem sentido, isso não!). Se há uma coisa da qual o ateu pode horrorizar-se tal como qualquer outro é de não fazer sentido, pois não há como livrar-se de significar.
Para esses homens e mulheres religiosos tudo se dá de tal forma que o ateu se assemelha a um doente de doença ruim, como dizia vó Pina; uma dessas doenças que a gente não pode ficar respirando, ou encostando, ou roçando que acaba pegando e sofrendo os horrores da loucura, fraqueza moral, debilidade do espírito e outras sinônimos.
Sartre era um ateu. Assim ele o disse inúmeras vezes e de modos os mais diversos. Ele dizer não foi suficiente; há quem afirme que ele não sabia o que estava dizendo. Outro dia ouvi de orelhada, no metrô de São Paulo, da boca de um jovem com uma cruz no pescoço, que Sartre não sabia, mas era religioso. Essa talvez seja a maior violência que alguém pode cometer contra o ateu; torna-lo religioso à revelia. Pois o crente em uma dessas formas de deísmo, teísmo ou panteísmo assopram o redemoinho da arrogância dizendo que o ateu é um idiota que não sabe o que quer, quem é, para onde vai e, pior, é religioso sem o saber. Riem-se do ateu por sua ignorância; um sorriso concupiscente, voluptuoso, de quem goza com a dor alheia. Quero crer que há um ou outro religioso que de fato pode respeitar o ateu como "um qualquer" nas palavras do próprio Sartre; porém, não creio que seja o caso da maioria - que reage com espanto, dó, evitação ou mesmo desprezo pelo como vive o ateu. Tornam-no diferente, e como já sabemos, diferente não é gente.
Na juventude Sartre se defendeu (e atacou) daqueles que o atacavam por seu ateísmo. Na maturidade e final da velhice tratou apenas de dizer como poderia ser a vida sem um deus. Contudo, pagou preço alto por ter sido honesto. Sua obra acabou sendo indexada pelo Vaticano como texto que o cristão não deve ler. A arrogância do papado acredita poder dizer o que deve e o que não deve ser lido, como se o cristão fosse um descerebrado.
Na inquisição a carne de Sartre seria servida a labaredas sagradas. O fogo o purificaria. Mas o cara tinha pouca carne; pequeno e mirrado, certamente daria um espetáculo muito morno e gozo rápido.
Não bastasse o papado temos ainda a intolerância de uma meia dúzia de religiões e seitas que condenam o ateísmo.
Digredi! Onde estava eu?
Sim, ia dizer que Sartre me surpreende e encanta com sua delicadeza, respeito e diligência no trato das questões ligadas ao religioso, ao divino e à fé. Claro que não foi sempre assim. Mas no último quarto de sua vida, na maturidade intelectual, aparece um sujeito bem diferente, por exemplo, daquele escreveu "O ser e o nada". Falo isto tendo em mente o livro póstumo de Sartre, editado pelo Benny Lévy, que diga-se de passagem, foi agressivo e deselegante com seu interlocutor. O filósofo falava da esperança - de uma "esperança agora" - e parece que também falava de "qualidades" do homem crente - a misericórdia - o maior e mais honesto apelo do cristianismo, embora nem sempre cumprido pelo religioso. Penso nisto ao relembrar a crueldade do cristão para com seus vizinhos. Mas, eles também não sabia o que faziam! Em geral formavam peças num jogo do soberano, que por uma prestidigitação contumaz, estava sempre aliado ao papado. Pena para o cristão.
No livro "A esperança agora" Sartre se volta para o judaísmo. Encontra nesta forma de vida um motivo filosófico para tratar de algo paradoxal -  a esperança é sempre futura, mas ele fala dela no "agora". É simples: se se fala de esperança é porque nada está acontecendo agora, daquilo que se espera. Se espera o futuro, nunca o presente. Mas Sartre é um daqueles que podem dar nó em pingo d'água. Fazer do que se espera o agora, só com uma torção de espinha que o filósofo faria. Isso, se não tivesse falecido meses depois das primeiras entrevistas com Lévy! Uma pena. Seria talvez seu maior combate em prol da vida religiosa, mesmo sendo ele um ateu!
Sua causa era a das minorias políticas, portanto do preconceito, ainda (ou talvez por isso mesmo) que ele tenha sido vítima do maior de todos - o ter ousado viver sem Deus. E mais: ele defendia até a morte o direito de uma pessoa ter um pensamento diferente. Defendia, pois, o direito de religião; a religião torna o sujeito diferente de todos os outros... ainda que pelo preconceito!

sábado, junho 4

"Areia de asfalto na língua"!

      Esse é um dos versos de "Blue paixão", datado de 26/2/1983, por Miguel de Almeida. Em 1984 eu desenhava capas de livros para a Global Editora, mas deste livro fiz apenas a arte final. Tratava-se da coleção Navio Pirata, da qual também desenhei o logotipo, e, se não me engano, era o livro de estréia da coleção. Impresso em vermelho e azul, foi inovador para a época.
      Como de praxe, pelo menos minha praxe, li o livro para ver se podia colaborar com o aspecto gráfico. Quando cheguei neste verso me lembro de ter sido tomado por longo silêncio, que nunca pude completar, quero dizer, nunca pude saber que impressão era aquela que me tomara. O fato é que nunca esqueci estas palavras que misturam o chão da cidade ao corpo do poeta. Não se trata de um acaso qualquer que o poeta escolheu - ou algo nele escolheu - a língua, neste par corpo/asfalto. A carne que se mistura à brita da rua é exatamente aquela que no corpo mistura o som da vida à linguagem do homem. É a parte do corpo quente que articula sons e discurso, espalhando areia pelos vãos de dentes e gengivas, indo à garganta, rascando a conversa.
      Sempre me interessei por essa relação do cidadão com a urbe, do sujeito com o município, do homem com a cidade. Isso, por vias sinuosas, me enviou para um trabalho que faço para entender as relações do sujeito com a cidade em artigos, resenhas, capítulos de livros. Além disso, minha fixação pelo tema já me levou a escrever um poema, um pouco acanhado pela falta de sangue poético e, talvez, por não ter tido uma blue paixão, condição pra escrever algo tão pungente quanto "areia de asfalto na língua". Ainda assim, escrevi:

Os pés da solidão
                                              
Tenho estado a meio caminho de casa
por mais que ande.
Flutuo entre céu e terra olhando
as luzes da cidade.

Nas ruas fico entre a calçada e o asfalto iluminado.
Vou caminhando com pernas
que se conhecem bem demais,
com joelhos que conhecem seu ofício de dobrar-se;
vou vendo com olhos que brilham independentes de mim.
Meus ouvidos ouvem sons sem nexo maior
e minhas mãos aninham-se repousadas nos bolsos.
                                                                                                                                                  
Vou caminhando com pés protegidos da sanha do dia,
vou flutuando com os pés alados da fantasia,
vou apalpando os músculos lânguidos da brisa
que enfeita minha madrugada.
                                              
Vou tateando pelos rumos da vida e os ventos
vão virando as pás do moinho da existência

(São Paulo-1996) 

Do livro de Miguel de Almeida, como de tantos outros, passei décadas enciumado por ter lido versos com gosto de cidade.
"anjos de joelhos sujos
sob a coberta olhos 
de junho no delta louco
azul acho médio urbano 
no hotel central bege-bege
frege de língua, quase nau
frágil amor de talco" (22/VI/83 00:24 hot-house)

"atrás das frases sob luares, neons
pela manhã
caídas pensas nas costas
maíras, marias, muitas
ímã atado ao mau céu
de brilho anel rosado em tom de sol
canção, ruído: trilhos, esse respirado
lençol a nocaute" (2/III/83 - 10:30 olinda)

[...]some pelo cinza dos prédios
na fumaça que sobe ela finge [...] (26/XII/82 - 23:30 hot-house)

"estive nas ruas do centro da cidade
lá as mulheres morrem de amores
e não dizem nada
olhos apodrecem nas ferrugens
migalhas lanham roupas dos insetos
nos vôos das pestes soam epidemias [...] 

"amor comum
morte de paixão que não dá canção
amor de mármore nas esquinas
em flipers de luzes e tons esguelhados
meu bem dançando ao som dos automóveis" (7/IX/83 - 10:10 hot-house)

"vias transversais 
e uns versos
de animal amoroso
cravado em neon
[...] do umbigo ao rabo
nudez de andarilho
entre postes
vento de carro nas costas
os pés na água, com frio (19/IV83 21:50 hot-house)

nau nos asfalto down da rua
decadência em sonhos velhos
- e uma dor de coração (15/V/82 22:38 hot-house)

"[...]hálito da cidade [...]



"

domingo, maio 8

O meio do fim!

Empurro com delicadeza a porta do meu quarto. Ela tem a cabeça ovalada, de cabelos descoloridos, pendida com os olhos num livro. Pousa o indicador na linha para não perder a frase que lia. Me olha, vazia, e diz: Não acho que tenhamos qualquer coisa a falar. Minhas faces aquecem; depois gelam. Penso: Acabou tudo. Tenho que fazer as malas.

sexta-feira, abril 1

Do que é do Super-Homem! - II

O Super-Homem diz "eu quero" e não "eu devo" e, por isso, cria as bases e a liberdade para novos valores, embora não possa criá-los (os valores) só por dizer "eu quero". Para criar a liberdade e o poder de dizer não ao "tu deves", "um santo NÃO",  mesmo perante o dever, será necessário um leão que diga "eu quero".
Os novos valores, que florescem do leão do "eu quero", só chegam a vir à luz por meio da criança. O super-homem sabe que a criança é uma "santa afirmação". Ele não crê nos além-mundos e anda de cabeça erguida crendo no sentido da terra e do corpo. É aquele que sabe que "há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria". O Super-Homem não despreza o corpo e ama uma "virtude terrena" que não se parecem com a "sabedoria e o sentir comum"; e só crê num deus que saiba dançar.

segunda-feira, fevereiro 28

O caminho do Jeet Kune Do e do Wing Chun!

No final da década de 70 passei a ter as funções de professor de Kung Fu estilo Wing Chun, na antiga União Nacional de Kung-Fu. Já havia praticado judô, aos nove anos, em Apucarana, com um discípulo de Ono, chamado Kazuo, e depois aos quinze anos, Shao-Lin Kung-fu com Mestre Chen, e professor Marcus Tulius, lá pelos arredores da Estação da Luz. Mas, em 1976, assisti um filme de Bruce Lee, cujos comentários em revistas especializadas indicavam seu aprendizado de Wing Chun, com um grande mestre chamado Yip Man. Bastou para eu sair pela cidade de São Paulo procurando alguém que pudesse me iniciar nesta arte. Tive sorte! Depois de duas semanas de procura e surgiram notícias de que lá perto da Estação Santa Cruz do metrô, na Domingos de Morais, havia um jovem mestre que podia me introduzir no mundo dessa linhagem especial de boxe chinês. O jovem era Marco Natali, o criador da UNK!
Na primeira aula me surpreendi com a economia de movimentos, a pontualidade dos golpes e o uso da velocidade no boxe. Em princípio uma arte marcial que economiza energia me parecia fadada ao fracasso. Mas, mesmo com anos de prática, eu não podia fazer nada contra adversários que tinham menos de um ano de treino. O que estava acontecendo? Que milagre era aquele? Isso me manteve firme na prática daquilo que pensei ser uma heresia ao espírito das artes marciais.
Apesar da superioridade da técnica enxuta e objetiva do Wing Chun, o que fez diferença na minha vida de artista marcial por mais de 20 anos, foi eu ter entendido que a arte de luta não é uma imitação. Há um elemento sumamente importante que impede a simples repetição de movimentos dos grandes lutadores - o corpo. Um corpo individual, com uma limitação própria - este sim deve ser objeto de meditação, treino, estudo - pois impedirá que você seja mais um igual na massa de praticantes do combate corpo a corpo. É simples! Se você tem as pernas menos flexíveis que os outros, nada adianta flagelar a musculatura e com isso viver cuidando de contusões. Ao chegar perto do limite deve torná-lo seu amigo, cultivá-lo ao ponto de se tornar uma extensão de sua vida. Muito mais vale, no combate (por extensão, na vida) saber exatamente onde seu pé pode atingir o adversário, do que ficar tentando imitar outros colegas que naturalmente possuem mais altura ou flexibilidade. Podemos invejar à vontade os Bruce Lee da vida (geniais, é verdade!), mas o que manda mesmo na hora da refrega é saber de si.
Não se trata de deprimir a idéia de perfeição que permeia o Kung Fu; trata-se de fazer à perfeição aquilo que o corpo pode fazer. Felizmente o corpo pode muito mais do que acreditamos! Em geral ficamos bem aquém de suas forças. Não foi o caso de Lee; chegou, espantosamente, ao máximo que seu corpo podia, e creio que podemos dizer que foi além. Mas, chegar nesse limite pode levar o praticante das artes marciais a um fadiga sem recuperação. Mas, antes que alguém possa usar o fato como contraexemplo, digo que menos que isso, para Lee não interessava. Foi daqueles que queria saber quais os limites do próprio corpo. Nenhum artista marcial que quiser brilhar nesse mundo tão ambíguo, onde serenidade combina com explosão, deverá pedir menos que o limite.
Em certo momento de sua trajetória Lee acabou tendo que ficar por meses praticamente imóvel. Apesar do corpo ter lhe imposto seus limites, desta reclusão surgiu uma obra muito interessante chamada Tao of Jeet Kune Do, em 1975, quase três anos depois de sua morte, cuja leitura me ajudava a entender o espírito das artes marciais chinesas. Lá, na primeira página eu lia e relia, a propósito do zen: "The consciousness of self is the greatest hindrance to proper execution of all physical action" ou "It is not, 'i am doing this', but rather, an inner realization that 'this is happening through me', or 'it is doing this for me'''.
Embora Lee tenha praticado o Wing Chun, fascinado por sua grande economia e diretividade de golpes, quis ainda mais! No Jeet Kune Do, reduziu mais ainda os movimentos de ataque e defesa ressecando a fórmula dos ancestrais. Porém seu estilo jamais se inscreveu na grande caminhada dos estilos tradicionais. Ao analisar seus apontamentos, chegamos a uma genial simplicidade. Porém, como o que é simples não é pirotécnico, sua obra ficou esquecida, sendo guardada por um público muito restrito. Creio que sua genialidade para as artes do combate exatamente se apresentava nos movimentos econômicos e "feios", uma vez que não visavam encher os olhos da platéia, como o que se vê em estilos baseados em movimentos floreados da garça, do macaco, leão, tigre etc. Diga-se, de passagem, que o Wing Chung traz ainda as marcas da serpente e da garça em sua conformação. Mas a serviço de ir direto ao ponto, a saber, vencer o oponente em segundos, sem gastar muita energia. Porque dar dois golpes estilosos para vencer o oponente se se pode atingir o mesmo objetivo com um único e "feio" soco?
Não devemos comparar o Bruce Lee dos filmes com o do Jeet Kune Do. Fazer cinema deve encher os olhos com cenas grandiosas e com pouca realidade. Jamais Lee se comportaria em uma situação de risco do corpo, fazendo o que fez nos cinemas. Por seu porte pequeno e pouco pesado, na situação de combate real tinha que ser veloz e letal, o que não combina com o floreio cinematográfico. Ainda assim, Lee acabou colocando alguns golpes em seus filmes, que acabaram por tornar-se sua marca exatamente pela desnorteante simplicidade. Talvez, se não viesse a morrer tão precocemente, aos 32 anos, acabasse por fazer obras de cinema tendo como eixo das cenas um combate elegante, porém com a efetividade daquilo que é simples. Nunca saberemos!
Praticante do Wing Chun posso apenas dizer que este estilo sem bordados é a quintessência do Tao, e as semelhanças não os tornam iguais. Nas palavras secas e elegantes de Lee: "Life is a relationship to the whole", "truth is outside of all patterns", "the art of Jeet Kune Do is simply to simplify". Por isso, um dia desses gostaria de comparar um estilo com o outro, trazendo as palavras de um grande mestre do Wing Chun.
A foto foi captada de http://www.wired.com/entertainment/music/news/2001/11/48449#

domingo, fevereiro 20

Do que é do Super-Homem!

"O seu olhar [...] e a sua boca não revelam nenhum enfado. Parece que se dirige ao mundo "como um bailarino!" Ele é como um menino e ama os homens. Superou sua humanidade que é "uma irrisão ou uma dolorosa vergonha". Muito mais que verme ou macaco ou uma mistura híbrida de planta e fantasma, o Super-Homem "é o sentido da terra". "Fiel à terra [e descrente] das esperanças supraterrestres" é aquele que sabe que "Deus já morreu".
É aquele que não blasfema da terra, cujo corpo acha que a alma "é pobreza, imundície e conformidade lastimosa." O Super-Homem é mar onde o rio turvo do homem acaba por se limpar; aquele cuja existência justifica a felicidade. Raio e delírio, passagem e acabamento, o Super-Homem é ponte e não a meta; aquele que quer conhecer, o que inventa e trabalha, o que ama sua virtude - sua tendência e seu destino, aquele que não quer ter virtudes demais...
É aquele que sabe que a alma morre mais depressa [que o] corpo; que procura "companheiros para seguir com ele, [...] não procura cadáveres, rebanhos , nem crentes; procura colaboradores que inscrevam valores novos ou tábuas novas". (Assim falava Zaratustra, Nietzsche-tradução de José Mendes de Souza)     

quinta-feira, janeiro 13

Condenados a ser livres!

"Não somos nem mecânicos, nem possessos; somos piores: livres." 
Assim J-P Sartre comenta a trama do livro 1919 (de John dos Passos). Nem somos autômatos cartesianos - artefatos criados à semelhança de relógios, fontes, moinhos e outras máquinas - cujas cabeças possuem uma glândula, um ponto de intersecção de muitos tubos que levam as forças controladoras dos seus movimentos, como uma mola que dá vida ao conjunto; produtos de uma indústria exata, cuja economia interior está desde sempre já dada. Tampouco somos possuídos por uma vontade, uma paixão (no máximo uma paixão inútil, como disse em outro momento), ou um conatus (como insistiu em O ser e o nada) - uma força-impulso metafísico disfarçado detrás de seus efeitos.
Somos livres, simplesmente: embora determinados historicamente, datados, enformados pela língua, efeitos ideológicos. Contudo, isso nada deve nos impedir de dizer: "eu". Sem sermos livres nada podemos responder frente a lei; o direito nada pode contra ou a favor de um sujeito que não é livre. Foi o caso do negro em tempos de escravidão - nada devia à lei ou à sociedade e à religião (do seu dono), porque escravo. Se o sujeito é determinado de ponta a ponta, a norma não se aplica, uma vez que ele está pronto e sua vida é perfeita, mecânica, automática, não exigindo nenhuma norma para suas condutas; estas são conhecidas e irretorquíveis; nem há um sujeito que reclame a diversidade, o singular - ou resista a empastelação ideológica.
Mas não é o caso. A lei, as regras, os regimentos devem dar conta de um sujeito que não é máquina ou possuído; agente livre, perigosamente a deriva, só fazendo o que deve fazer sob coação - primeiramente da tradição e depois pela norma.
Sujeitos de direito, livres para fazer o que quisermos, por isso determinados pela norma e pelo político; condenados à liberdade, somos mais que um autômato ou pulsão, entretanto menos que o político. O que será que isso pode nos dizer? Vejamos isso noutro tempo...

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...