sábado, abril 27

O Vilarejo - Dostoiévski


Gosto d'O Vilarejo de Dostoiévski. Claro que aqui o autor não rivaliza consigo mesmo como por exemplo em "Crime e Castigo" e "Pobre Gente", romances que escrevera antes de amargar, na Sibéria, anos de trabalho forçado, por problemas políticos. Gosto simplesmente porque mostra, pelas frestas deste romance aquele que um dia fora e aquele que ainda estaria por vir, mesmo depois do grande "Crime e Castigo". N'O Vilarejo ele estava amedrontado pela censura lançando mão da sátira para dar vida a seus pensamentos e permanecer livre para escrever. Neste romance, que gravita também pela alegoria, para falar do bem e do mal, como manda o figurino literário da época, são colocados Rostaniev - a própria encarnação do bem, da tolerância e compaixão versus Opiskin - frio, determinado a causar a maior dor moral possível aos seus próximos. Essa luta do bem contra o mal é eterna na obra dostoiévskiana e sua genialidade estava em temperar ingredientes tão simples e básicos de tal modo que sua leitura é viciante. É como se ele extraísse dois ou três elementos da alma humana e os elevasse a uma espécie de arcabouço comum da alma de todos nós; ou com dois ou três órgãos fizesse um corpo inteiro da alma - e nisto era um anatomista da alma. Seus personagens em geral e especialmente neste "O Vilarejo", são impelidos por uma força que não lhes dá muita chance de dúvida. E quando dúvida há, algo de dentro, ou por trás, vindo dos hábitos, toma a decisão pelo personagem, tornando-o títere de costumes e de pulsões íntimas não discerníveis. É uma espécie de "a vida como ela é", sem dó, nem perdão. Sem redenção ou sentido.
Por exemplo, neste romance, Dostoiévski cria o vilarejo de Stepantchikovo, território onde se dá o combate até o último fôlego, entre amor e ódio, encarnados por Rostaniev e Opiskin. O autor lança mão de um artifício muito simples para nos colocar dentro dos acontecimentos: a presença, passo a passo, de um sobrinho de Rostaniev, que nos ajuda a passear pela indignação que este não possui. A alma de Rostaniev é uma grande catedral onde os mais diversos pecadores são acolhidos e purificados... ele sempre está disposto, a contrapelo de si mesmo, a perdoar, a engrandecer, a purificar cada uma das almas que estão ao seu dispor, como rezava os contratos dos donos de terras - eram compradas com as pessoas que ali habitavam. É nestas condições que regem a situação que Opiskin se insinua como a serpente bíblica.
Opiskin é dono de uma excepcional habilidade de esgrimar com as palavras para desnudar os sentimentos do interlocutor. Não para purifica-los, mas para dominá-los, usá-los, sorver-lhes a medula moral. Depois deste vampirismo sobra de cada pessoa, sendo seu alvo preferido Rostaniev, pouco mais que uma massa amorfa feita de corpo e vergonha. Opiskin conhece a alma humana como ninguém mais. Será preciso o autor escrever, entre outros romances, "Os Irmãos Karamazov" para privarmos de personagens que conhecem tão bem, ou melhor ainda, os diabos da alma humana e os débeis anjos que os combatem.
Para não estragar o prazer de algum eventual leitor d'O Vilarejo, pergunto, sem responder: qual será o plano de Opiskin? Basta-lhe salivar o doce sabor da vitória no combate verbal, corroendo os incautos que lhe caem na rede? Ou ele tem um plano ainda mais sinistro para o vilarejo de Stepantchikovo?
Só posso adiantar que os editores mais importantes da época rejeitaram esta obra, sendo publicado apenas anos depois, em 1860, com um estrondoso silêncio do público. Dostoiévski chegou a dizer: "se o público a receber friamente, eu me sentirei desesperado. As minhas melhores esperanças, e sobretudo a consolidação do meu nome literário dependem dela". Mas, os grandes escritores são como Fênix. Ressurgem dos escombros causados pelas críticas e pela rejeição do leitor. Para terem uma ideia da tragédia, Nekrassov o grande poeta de sua época também negou-se a edita-lo, declarando solenemente: "Dostoiévski morreu!" Quatro anos depois o autor de Crime e Castigo, é realçado à glória com o estupendo O Adolescente. 
Havia ressurgido dos mortos para se tornar eterno. 

sábado, abril 13

Ong Voluntários da Pata!

                Quero aproveitar este espaço para fazer umas considerações sobre as ações que o cidadão poderá empreender para mudar a situação desesperadora dos animais de rua.
                Recentemente, numa tarde de domingo, sob o clima solene do Teatro Municipal de Pouso Alegre, vi florescer a ONG Voluntários da Pata, uma iniciativa privada que, nestas poucas semanas, se consolidou junto ao cidadão pousoalegrense, principalmente pelo empenho incansável de seus voluntários em praticar sua premissa, a saber, amenizar o sofrimento animal na cidade. Suas principais práticas sociais são a fomentação de cuidados terapêuticos aos bichos de rua famintos, feridos e atacados por pestes várias; a intervenção e acolhimento dos animais resgatados em situações degradantes; o estímulo da adoção por pessoas que querem um animal de estimação e a castração destes animais.
               
Uma das ações mais visíveis deste voluntariado é a barraca de adoção de animais que se instala todo sábado na praça central de Pouso Alegre, junto à azáfama de crianças, jovens namorando, mães com seus bebês de colo, meninos e meninas brincando, anciãos colocando a conversa em dia, o homem da bíblia pregando, crianças pulando no parquinho instalado perto da fonte e centenas de passantes que tomam as sombras das árvores centenárias. Entre os voluntários da ONG estão pessoas de cidades vizinhas, que têm interesse em fazer parcerias e mesmo repetir a experiência desta iniciativa citadina. Além dessa presença semanal na praça Senador José Bento, a Voluntários da Pata tem buscado parcerias com os governantes, entidades de classe e empresas que podem doar ração e remédios para os cuidados mínimos aos animais recolhidos das ruas, muitos em condições precárias de saúde.  A propósito, esta barraca necessita de mais voluntários para atendimento ao público, jornais velhos, ração, água e cuidados com os animais. Isto retira uma parte considerável do peso dos atuais voluntários, que estão no limite de suas ocupações.
                Sabe-se que isso tudo é muito bem vindo, e na maior parte das intervenções, chega a ser essencial. No entanto, por mais que haja pessoas adotando cães, gatos e outros animais, a realidade é que o número de abandonados nas ruas permanece o mesmo e até pode aumentar, se não se fizer o mais imediatamente possível o que chamo aqui uma política de bem estar animal. Esta política deve se traduzir em algumas atitudes bem definidas e já fazem parte das metas desta ONG e seus parceiros institucionais e particulares:
                a) Uma atitude verdadeiramente cidadã em que a questão animal é de todos e que os cidadãos sejam conscientizados de que estes, em situação de abandono, estão sob tutela do governo da cidade, o que torna o governante o tutor desses animais. Como o governante foi alçado a esta condição de servidor, justamente pela vontade do cidadão, este deve ser o fiscal desta relação entre seu governo e os animais sem lar;  
                b) Estimular uma atitude afetiva para com a cidade, que é de todos seus moradores e que a miséria seja ela qual for, e neste caso, se está falando da miséria animal, torna a cidade um lugar inóspito, cruel e desmobilizada politicamente; além da fealdade que a degradação da vida imprime no corpo da cidade;
                c) Uma atitude de mobilização no sentido de pressionar o poder local para criar um hospital público para animais, de onde eles saem curados, castrados e vermifugados para a doação em feiras e praças públicas;
                d) Uma sensibilização social para aumento do apadrinhamento de animais, situação em que o cidadão não pode levar para casa um deles, mas o adota à distância, oferecendo cuidados na forma de alimento e remédios, bem como colaborando com as despesas médicas eventuais do animal do qual é padrinho ou madrinha, ajudando o adotante do animal.
                e) Um trabalho de conscientização da população rural e dos bairros periféricos – de onde vem grande parte dos bichos em abandono – por meio das mídias, particularmente as televisivas, radiofônicas e jornais – de ações que podem ajudar a conter o abandono dos animais, particularmente a castração;
                f) Criação de eventos na forma de festas, chás beneficentes, bingos, rifas, leilões de objetos, shows... arrecadando dinheiro, materiais de construção de canis, remédios e eventuais gastos com serviços particulares. Inclui-se neste item propaganda gratuita em mídias diversas.
                Com estas poucas ações, bem orquestradas pela Voluntários da Pata, sabemos que em poucos anos reverter-se-á este quadro de desespero e insalubridade, pois temos consciência de quais são os perigos que trazem os animais afetados pelas doenças clássicas do abandono. Se perseguirmos estas diretrizes, estaremos afirmando uma série de condições da cidadania – introduzindo nossos filhos num mundo mais afetivo, mais saudável, mais alegre e mais justo. Serão pessoas que respeitarão a vida e colaborarão com uma sociedade menos agressiva. Formaremos cidadãos.
                A ONG Voluntários da Pata conta com você, tanto no sentido de adotar ou apadrinhar bichos, mas também para doar seu tempo ou habilidades que possam ajudar na transformação da dura realidade dos animais de rua de sua cidade.   

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...