sexta-feira, abril 16

Cyrano de Bergerac dá as cartas do amor!

     Cyrano está mortalmente ferido por seus traidores e acaba se deixando descobrir como aquele que de fato fizera cada carta de amor que levara Roxana a amar Cristiano. Cartas que acabaram por emprestar ao rapaz uma alma a ser amada. Com a morte tragicamente escolhida para livrar-se do fardo de ser amado sem ter alma, pelo menos aquela que fingia ser sua, Cristiano deixa a jovem destituída de sentido; busca ela, então, o refúgio de um mosteiro.
     Por longos quatorze ou quinze anos, Cyrano a visita todo sábado relatando em versos a semana, tal como um jornal falado. Roxana acredita em sua inquebrantável amizade; amizade que, sabemos nós, tem como fim esconder sua paixão pela mulher que era a razão de seus versos e mesmo a razão de sua vida. Ela lhe mostra uma carta "escrita" por Cristiano, que Cyrano "lê" sem sequer vê-la, porque a conhece decor. Estupefata a jovem realiza que sempre amara aquele que escrevera os versos que estofara a imagem de seu Cristiano.     Agora sabe que ama a Cyrano, porque dele foi vertido tudo aquilo que mais amou em sua vida. Mas é tarde demais! O gascão está em suas últimas versejações e morre sorrindo como viveu, um pouco jocoso é verdade.

     Ceder?! Jamais! Jamais! Quem és? A Fatuidade?
     - Eu bem sei que afinal sucumbo e não vos mato...
     Não faz mal: eu me bato, eu me bato!


Ataca o ar com sua espada, ofegante, um pouco já sob o efeito de delírio produzido pela falta de vida no corpo e um tanto quanto sem objetivo.

    Sei! Tudo me arrancais: a rosa, a palma, o louro!
     Arrancai... Mas existe um quid imorredouro
     Que eu levo; e que, ao entrar no alcácere de Deus,
     Varrerá largamente o luminar dos céus;
     E, puro como a glória, ardente como o facho,
     mau grado vosso eu levo...


Avança cambaleante, com a espada para o alto.

     E que é...

Cai nos braços de Le Bret e Ragueneau que o assistem nesta hora dramática; perde as forças do punho que arrocha o cabo da espada. Roxana inclina-se e o beija delicadamente na fronte e pergunta, interessada no que Cyrano levará para o mundo lunar que tanto amou e lá ficará junto de"Aristóteles, Galileu e... tantos outros..." E ele, sorrindo um sorriso no qual podemos adivinhar aquela pureza e destemor que o impulsionara pela vida, completa:

     O meu penacho!

Homem que não  pode ser contido, que vivera sempre para a luta e o amor, momentos antes deste desfecho, dissera de modo comovente:

      Graças! Mercê de vós, que amei despercebido...  

      Roxana, sem o perceber, fora amada como sempre sonhou. Por uma alma poeta e bravia. Por um homem que podia sorrir para a Fatuidade, para o acidente de existir e de morrer, e terminar tudo num sorriso que por um lado se vinga da tragicidade da morte, por outro nos apresenta essa entrega heróica ao trágico. Herói que ama sempre, mesmo que despercebido; melhor dizendo porque despercebido.
      Cyrano me encanta sempre; acho que em algum lugar em nós, recôndito, insondável, sonhamos com um Cyrano que pode sorrir para a morte - mistura de guerreiro e poeta apaixonado...
      De minha parte, fique claro que trocaria meu nariz pelo dele se eu pudesse versejar com tanta rima. Qual Roxana se me resistiria, ainda que o nariz tomasse a cena? Cyrano não acreditou que Roxana pudesse abstrair seu nariz; não acreditou que seu coração podia suplantar o corpo e suas vicissitudes...
      Mas o que seria do teatro se não fosse um amor desditoso? "Cyrano de Bergerac", para mim, se compara a "Romeu e Julieta", outro trágico desencontro amoroso. Que não me ouçam, ou me leiam, Romeu e Cyrano lá do mundo lunar; até porque se se exasperarem por ciúmes temo por Romeu. O gascão, conta-se, derrotara de uma só vez cem homens...

6 comentários:

  1. Puxa,lindo o que você escreveu. Esse livro,essa história,mas principalmente, esse personagem,sempre me encantou.

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  2. Tenho um nariz ligeiramente grande, mas que se disfarça diante de meus 2 metros. E gosto de acreditar que tenho dentro de mim um pouco da essência de Cyrano. Muito me encanta.

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  3. Amei seu texto, adoro esse personagem, e essa história tão linda.

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  4. Eu levo em meu nome o nome daquele que, por amor, sacrificou seu despretencioso amor, eis que não exigiu para si o amor da amada que tanto amou.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. O amor é poesia, e como amor ...transforma o que é mera palavra em forma poética. Talvez tuas palavras façam poesia e desapercebidamente não notas Roxane debruçada sobre ti.

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