quinta-feira, maio 28

Ontem, A Imaginação!


Ontem: - Olá professor! Estou lendo "A imaginação de Sartre" depois de ler uma biografia dele feita pela Anne Coen Solal!! Diz Lucia, ao telefone.
_ Gostei muito daquela biografia, digo eu, depois de algumas considerações sobre o tempo, a angústia sartriana etc. Mas parece que escapa-nos alguma coisa do livro citado: creio que Sartre, ele mesmo poderia dizer disso em sua conclusão d'A Imaginação.
"Eles [os psicólogos da época - 1936] colocaram o seguinte problema: como pode a existência da imagem conciliar-se com as necessidades da síntese - sem perceberem que na própria maneira de formular o problema estava já contida a concepção atomística da imagem. Na realidade, é preciso responder claramente: a imagem, se continua sendo um conteúdo psíquico inerte, não poderia de forma alguma conciliar-se com as necessidades da síntese. Ela só pode entrar na corrente da consciência se ela mesma é síntese e não elemento. Não há, não poderia haver imagens na consciência. Mas imagem é um certo tipo de consciência. A imagem é um ato e não uma coisa. A imagem é consciência de alguma coisa".
Sartre se ocupará deste assunto em "O imaginario", em "O ser e o nada", mas, mais nada falará disso pelo resto de sua vida; deixou para outros prosseguirem com essas reflexões, enquanto se tornaria o furacão intelectual da Europa dos 20 anos seguintes.

quarta-feira, maio 27

Dois dias em SP!

Das noites estreladas da serra para a noite de lâmpadas de São Paulo; esta será minha segunda, e última, noite da semana em SP. Acordar no Cervo é espreguiçar; acordar em SP é sobressalto...

terça-feira, maio 26

Ainda assim, uma paixão!


Concordo com Sartre que disse, em algum lugar (O ser e o nada?), que o homem é uma paixão inútil. Sim, mas ainda assim, uma paixão; isso implica comover-se ou mover-se com seu objeto de paixão. Quando me vejo nesta vida nos bosques da serra do Cervo, apaixonado pelos seres daqui, tenho como certo que devo usar “paixão” incluindo seus sentidos que advém do grego pathos (doença, desgaste, morte), no entanto, colando outros sentidos negociados contemporaneamente – de esperança, cuidados, amor pela vida, consideração. Não que isso signifique alguma coisa perante a natureza, que não pode de forma alguma reconhecer meus gestos. Neste sentido, cuidar de pomar e horta ou dos bichos indefesos, é inútil; nada quer dizer para o conjunto do que é vivo – um dia o universo esfria e será o silêncio. Se a vida faz algum ruído, é por causa do homem que está aqui para checar e gravar o som. Do contrário, nenhuma manifestação de vida tem qualquer consideração para com outra vida.
O filósofo tinha razão ao dizer inútil, porque tudo que faço, seja por V., Soneca (Chefinho), Rabicho, K. Lulu, Gabi Blu, pelos pinheiros, pomar e horta, borboletas, mosquitos, formigas, cobras... pelos parentes, amigos colegas... significa sem utilidade, futuro ou necessidade. Trata-se de apenas fazer... Nem por isso sou transcendentalista, como Thoreau, tampouco behaviorista como Skinner. Se amo a natureza, não o é por romantismo, pois não a considero perfeita, nem afetuosa. É por me gostar nessa situação: pode ser, entre milhares de possibilidades, pelo suor empapando a camisa enquanto roço a foice o pomar que ficou coalhado de assa-peixes e alecrins do mato, enquanto vivi, por um ano, em Balneário de Camboriú, tentando implantar lá meu trabalho de terapeuta. De volta, há ano e pouco, temos, V. e eu, trabalhado todas as manhãs, na recuperação dos locais de comida – pomar e horta. No bosque, a vida pode se apresentar bastante ameaçada, e isso bem pode ser uma paixão, como diriam alguns psicanalistas... Anteontem uma jararaca chegou muito perto de meu pé.

sexta-feira, maio 22

Outono que há muito não via!

Estou em PA, logo cedo. Aproveito para blogar! Vejo que nem sempre conseguirei postar - quero dizer diariamente - assim, terei que fazer um esquema outro onde possa blogar, digamos, dia sim dia não... Está claro que os problemas para levar internet até o topo da serra se extenderá por tempo que não sei calcular. Ao descer a serra me deparei com o rio do Cervo coberto por espessa cerração, produto do ataque de um sol brilhante à camada de ar frio deste outono (5 graus). Carros rolando devagar, luzes acessas, todo cuidado, com as pessoas dos sítios e chácaras no entorno da estradinha que vai até PA.
Mais tarde falarei com Tonin do Teatro e Suely do Museu - isso tem a ver com o artigo que escrevo sobre os processos identitários do sujeito pouso alegrense e sua relação com o teatro municipal - numa pesquisa para a Universidade do Vale do Sapucaí. Conto outro dia! Acho que postarei esta parte de minha vida nos bosques (reflexões mais centradas em minhas leituras) dentro deste blog - http://levileonel.blogspot.com e as reflexões em geral, centradas no EXISTIR fora do centro urbano no http://www.avidanaserradocervo.blogspot.com
Vamos ver o que se pode fazer.

quinta-feira, maio 21

De Volta à Serra do Cervo!

Enfim, depois de problemas comuns a viagens de última hora e com o analfabetismo em blogs, conseguimos terminar nossa curta viagem e postar hoje no blog. V. e eu fizemos um novo itinerário pelas serras de Minas até Monte Santo; antes íamos até Alfenas, passando por Silvianópolis, Poço Fundo, Machado, desviávamos em direção oeste passando por Muzambinho, Guaxupé e chegávamos ao sítio do Mandú antes de entrarmos na cidade.
Desta vez decidimos, a conselho de Zé Maria e Amanda, ir em direção a Poços de Caldas, passando por Congonhal, Caldas e (depois) Divinolandia, São José do Rio Pardo, Mococa, já em terreno paulista, e depois a Monte Santo. A viagem foi um passeio fantástico, mas em termos de eficiência, tempo gasto, quilometragem não foi vantajoso... É um daqueles itinerários de turismo dos gratificantes!! Serras muito altas e deslumbrantes, rios cristalinos...
Enfim, voltamos com saudades do "chefinho", depois de trinta e seis horas fora de nossos bosques! Ele nos recebeu com seu séquito de subalternos com a alegria contagiante de sempre!

terça-feira, maio 19

A VIDA NOS BOSQUES



A VIDA NOS BOSQUES

SÁBADO, 16 DE MAIO DE 2009

Walden

Numa manhã nevoenta e fria da primavera de 1845, na encosta do bosque de pinheiros que ladeava o lago Walden, em Concord, Massachusetts, nos EUA, Thoreau iniciou a aventura que iria marcar gerações e gerações, por mais de século e meio, ecoando até nossos dias. Munido de um machado e ferramentas emprestadas construiu sua casa em uma colina de face para o lago cujas águas se mantinham congeladas por grande parte da estação. Testemunha silenciosa do surgimento da modesta moradia na encosta de uma sua colina, o bosque recuperava-se da letargia de inverno sob o som seco das marteladas que juntavam caibros, vigas e tábuas que dariam acolhida ao novo morador. Nas margens do lago o inusitado ermitão pretendia “viver em profundidade e sugar toda a medula da vida” num modo de subsistência, contemplação e vida no seio da natureza. Representante vívido de um movimento filosófico cuja proposta essencial tratava da simplicidade voluntária, da desobediência civil e da resistência pacífica, motores intelectuais que inspiraram Gandhi1 e os hippies, Thoreau era um homem que acreditava que os monoteísmos promovem um corte do homem com a natureza, levando-o a destruir seu lar, por causa de promessas paradisíacas e redenção de pecados, entre os quais o desrespeito à natureza. Homem de formação clássica, tendo exercido o magistério, seguiu carreira de escritor e conferencista, sempre ocupado em delatar o vazio da vida nas sociedades dominadas pelas religiões e pelo belicismo, particularmente a americana. O “rebelde de Concord”, escreveu Walden, ou a vida nos bosques como um inventário dessa experiência, bem como um libelo contra o consumismo – crítica que torna-se cada vez mais atual. Como um profeta inspirado pela deusa natureza, centrou sua atenção em listar as necessidades básicas do homem, demonstrando que o mercado (na época ele falava em civilização) as distorce e inventa outras supérfluas que levam o sujeito a uma liturgia do consumo, perversa e auto-replicante. Sua obra se tornou a cartilha, ainda atual, de uma labuta contra o excesso de bens que empobrecem o homem e enfraquecem seu caráter.


Walden Two

A experiência de Henry David Thoreau tocou vivamente uma outra pessoa, dessa vez um psicólogo americano, que escreveu uma utopia educacional chamada Walden II2, usando sua teoria psicológica behaviorista para construir uma comunidade com alguns dos princípios escritos por Thoreau. Se na primeira obra foi descrita a experiência solitária de um romântico transcendentalista, junto à natureza, a segunda obra se tratava de uma ficção onde Burrhus Frederick Skinner propõe um modo de vida com os mesmos propósitos, sem palavras de ordem religiosas, para uma nova sociedade. Em Thoreau temos o homem solitário, heróico, apegado à verdade como guia da consciência moral; em Skinner, a sociedade comunal em que cada indivíduo vive uma partilha das experiências pessoais, no intento de engrandecer-se individualmente e como ser social. O princípio geral está na crítica à insânia da vida metropolitana e a eleição corajosa de uma vida simples, sem o consumo aleatório e sem a tensão da megacidade.

Serra do Cervo – Sul de Minas – Walden três?

Em meados de 1984, trabalhando para a Global Editora como desenhista e capista de livros, tive que ler algo da obra de Thoreau3, recém traduzida, para criar sua capa, o logotipo da coleção Armazém do Tempo e a arte final, escolhendo as fontes que mais se adequariam à atmosfera da obra. Tudo que fiz foi aprovado, menos a ilustração de capa, o que foi uma sorte! Na intenção de propor uma outra ilustração me vi na contingência de lê-la por inteiro. Fiquei vivamente tocado pelo que li; encontrei-me retratado lá, pelo menos em algumas convicções. O que ia “ouvindo” do autor me era estranhamente familiar – desde minhas experiências como escoteiro pela orla silvestre do norte do Paraná, aprendendo meios de sobrevivência em ambiente selvagem, até a experiência de maneabilidade física por meio de extenuantes exercícios de combate na Serra do Mar, como soldado do regimento de cavalaria mecanizada de São Paulo. A idéia se resumia, como combatente, em conseguir sobreviver o melhor possível em condições precárias de terreno e de condições climáticas; como escoteiro, a idéia era viver de modo consideravelmente confortável no meio silvestre, transformando as precariedades do lugar em uma moradia. Mas o gosto inicial pelos bosques vinha de uma infância entre matas, rios e lagos, nos arredores de Apucarana e dos passeios com a “madrinha” Pina4 até as terras dos meus tios-avós em Pirapó. Filho e neto de mineiros, fortuitamente nascido paranaense, assim que pude, mais exatamente em 1994, adquiri uma extensão da Serra do Cervo, para lá instalar um centro existencial5, onde pudesse viver segundo as premissas de Thoreau, bem como fazer funcionar um centro de difusão de intervenções psicológicas, acessível ao interessado em geral. Os bosques da Serra do Cervo são a invenção de duas pessoas, como foi o Ashram; Vania e eu. Para isso, unimos três paixões que tornaram nosso walden habitável: o amor de esposos, o respeito à natureza e a paixão pelo trabalho existencial com nossos alunos, pacientes e clientes. Neste blog trataremos do cotidiano que borda nossa existência nos Bosques da Serra do Cervo.

16/05/09 - A serra do Cervo amanheceu brilhante, lambida pelos primeiros raios de sol, cálidos e insistentes; logo aqueceu ao ponto de tornar-se coberta de espessa neblina, que se estendeu até o meio da manhã. Levantei cedo e depois de um suco de laranja, fiz os alongamentos usuais, desci pela orla do cafezal coberto de grãos rubiáceos e tomei a estrada que vai até o alto da serra. Costumo correr primeiro subindo-a para que possa ter forças para descer, quando o peso do corpo ajuda a “rolar” de volta. Na ida passei por uma cascavel morta; sua travessia do asfalto terminou tragicamente. Isso me remeteu à lembrança do encontro que tivemos a três dias com uma jararaca tomando sol sobre a brachiária exatamente onde Vania ia roçar. Era a maior entre todas as que vimos até hoje; fora a adrenalina de assusta-la de volta para sua toca, nosso humor de sempre nos fez chama-la de “a mãe de todas”. Com estes pensamentos voltei para casa. Ao chegar, dois jacus, que migraram para aqui depois de nossa chegada e da plantação de pomares e árvores, desceram no abacateiro a quatro metros da porta de casa. Foi tocante ver que aquele casal estava investigando um bom local para sua morada perto das frutas que destinamos a eles. “Que façam um ninho bem perto de nós”, pensei. Preparei a roçadeira e subimos o pomar que se espalha numa encosta não muito, mas suficientemente íngreme, para tirar o fôlego, tal como fora correr serra acima. Ao roçar, fomos juntando o capim no entorno das fruteiras – começando pelas mexeriqueiras e laranjeiras. Talvez ainda hoje voltemos a roçar e cheguemos até o jamelão e os abacateiros... Trabalho pesado; suor a ensopar a roupa; mas resultado muito prazeroso... As laranjas amadurecem e está na hora dos cuidados de inverno para que dêem frutos pelo inverno e parte do verão.
Para descansar do trabalho na terra e dos afazeres domésticos, leremos. Acabei de ler o Tratado de ateologia, algumas críticas literárias de Sartre, um capítulo sobre memória e história, da Onice; Ontem iniciei o Tratado da eficácia; conversei com Onice sobre meu texto, que tem o Teatro Municipal de Pouso Alegre como corpus. Vania acabou de ler Leite derramado e vai começar o Tratado de ateologia.
Amanhã, domingo, viajaremos a Monte Santo de Minas para buscar nossas roupas, ferramentas de lavoura etc. que ficaram no sítio acabamos de reformar para vender. Serão 230 quilômetros de ida. Deixaremos o Soneca Golden Boss, o Rabicho Bicho, a Kely Lulú e a Gabi Blue cuidando dos bosques até depois de amanhã.



1 Muitas obras falaram da saga gandhiana; desnecessário marcá-las aqui.
2 Walden II, uma sociedade do futuro (E.P.U. 1978). Li o livro na primavera de 1979; Skinner o publicou em 1948.
3 Walden, ou a vida nos bosques de Henry David Thoreau. A versão que fiz a arte gráfica foi da 1ª edição, de 1984, Editora Global.
4 Era minha avó materna, Josefina Colauto, depois da Luz, que queria ser chamada por “madrinha”, para não parecer, segundo me lembro, mais idosa do que era de fato. Espero não estar manchando sua memória, contando esta intimidade.
5 Esse centro vivencial é a versão rural do Ashram – Centro de Estudos da Medicina, Arte e Filosofia da Índia Antiga, que funcionou em São Paulo entre os anos de 1990 e 2002. Hoje, aqueles estudos se ampliaram com a aplicação do conhecimento cura sui dos filósofos gregos e das técnicas de si indianas, trabalho que acabei publicando em livro (Energia vital, Ed. Roka, 1999).

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...