segunda-feira, março 22

Sursis - frases que apontam o gênio de Sartre!

E tudo se pusera a cair, vira as casas como eram de verdade: quedas sustadas. //A morte está inscrita nos homens, a ruína está inscrita nas coisas [...]//Cada coisa do mundo tem seu odor, sua sombra crepuscular, pálida e comprida, seu futuro particular. E a soma de todos esses futuros é a paz: podemos tocá-la na madeira carcomida dessa porteira, na nuca fresca do menino, podemos lê-la nos seus olhos ávidos, ela sobe das urtigas aquecidas pela luz do dia, ouvimo-la no tocar dos sinos.//Morto. E sua vida ali estava, em tudo, impalpável, terminada, dura e inteiriça como um ovo, tão cheia que todas as forças do mundo não poderiam fazer-lhe entrar um átomo, e tão porosa que Paris e o universo passavam através dela, dispersa pelos quatro cantos da França e condensada por inteiro em cada ponto do espaço, uma grande feira imóvel e ruidosa [...]//

sexta-feira, março 12

Ivich, Vania e o beijo no coração!

Vania tem traços finos, mas bem delineados, de Ivich, ex-namorada de Mathieu. Não digo tanto em relação aos contornos físicos, pois Sartre não se dá a tanto trabalho em sua narrativa a ponto de esclarecer-nos. Falo desta mulher que gravita entre menina e adulta, que estuda na Rússia, que passa algum tempo na França, sei lá para quê e acompanhada de Bóris, seu irmão de caráter discutível. Falo também de sua relação muito peculiar com a própria fisiologia e anatomia; as partes corporais nelas insistem em não coincidir com que a ciência estatui. Entretanto, em Ivich há um horror ao próprio fisiológico, que não coincide com, digamos o humor que Vania tem em relação as dobras corporais, as entrâncias e protuberâncias. Se a doença em Ivich causa obrigação de pensar no corpo, algo terrorífico, em Vania faz com que crie um outro corpo para dar conta do recado. Exemplifico: veja-se o caso do umbigo de Vania; está ligado a todos os órgãos abdominais por condutos que os tornam contíguos, coesos e extremamente sensíveis como antenas parabólicas que a colocam em contato com dimensões sem paralelo na fisiologia clássica. Assim, seu umbigo é sagrado, podendo ser tocado em muito raras ocasiões, momentos em que o adorador de seu umbigo pode se enlevar em êxtase platônico, sem a intimidade que viria a profana-lo. Terra do Nunca, espécie de Pandora (não a do filme), onde estão confusos os órgãos com a cidade, o corpo de Vania possui estranhezas dignas de nota. Para ela, que tenta com todas suas forças, entender esse troço de "o amor mora no coração", quando se força a pensar no coração como morada do amor, já inclui a barriga como a praça dessa moradia. Quando alguém lhe diz que vai dar-lhe "um beijo no seu coração" sente calafrios de pensar que a pessoa vai lhe tocar com a boca, algo que deve, em princípio ficar sem essa intimidade, digamos pouco higiênica, quem sabe até promíscua. Esse seu lado criança, que literaliza o enunciado dos pobres admiradores que formam um séquito a sua volta, pode ser sua maior força de atração, pois admiradores brotam como erva em horta de verão.
Ivich tem no seu corpo uma sombra; Vania uma força viva que não segue as leis da biologia. 
Se a amamos, a amamos por causa dessa sua exótica forma de relacionar-se consigo mesma. Me coloco frente a ela como um trovador que canta em versos um amor impossível pela esposa do rei. Só que tenho a pretensão de ser eu próprio o rei. Não tenho saída! Se não for assim, outro trovador pode achar de lhe fazer versos... e ela achar de os considerar mais rimados...!   

domingo, março 7

O Adolescente de Dostoiévski!

Não podendo mais refrear-me, começo a escrever esta história de meus primeiros passos através da vida. E contudo poderia dispensar isto.Uma coisa é certa: mesmo que vivesse cem anos, jamais escreveria minha autobiografia. É preciso alguém estar muito ignobilmente apaixonado por si mesmo para exprimir-se sobre sua própria vida sem se envergonhar. Espalhar no mercado literário a intimidade de minha alma e uma bela descrição de meus sentimentos seria para mim uma inconveniência e uma baixeza.
Assim Dolgorúkii, filho de Makár Ivánov Dolgorúkii, começa escrever suas memórias. Personagem central do romance "O Adolescente", ele se parece um certo tanto com os blogueiros. Ambíguo que é, não resiste a contar sua vida e, ao mesmo tempo, execrar essa forma de publiciza-la. De fato, nós blogueiros também não resistimos a gravar no éter da web, fatias de nossas vivências, instantes de percepção, drops de impressão, fingindo que não queremos mais que um ou outro olhar interessado. Contudo, não creio que sempre seja a paixão por nós próprios a nos conduzir a esse gesto, e nem uma baixeza.
Creio que blogar está mais para atestar, ou fixar, ou preencher um vazio qualquer; talvez mesmo uma técnica para fazer sentido; portanto uma técnica para apaixonar-se por si - quase sempre, a meu ver, vizinha do fracasso. Desse modo, não é a paixão por si que faz o blogueiro blogar, mas a possibilidade de criar um personagem crível e apaixonável para si mesmo. Não deixa, claro, de ser uma fascinação por si mesmo. Entretanto, não se trata de uma fascinação pelo maravilhoso em si mesmo; trata-se de convencer-se que há algum lume nessa escura alcova do eu, onde muitos personagens convivem sem se conhecer.
Dolgorúkii, rapaz de nascimento e pais ambíguos, cujo passado deve ser reconstruído, não tem saída a não ser recriar sua história. Creio que esta é de fato a história dos blogueiros - uma questão de inventar a própria história... Aceito discordância!

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...