domingo, abril 4

Um erro original vale muito mais do que uma verdade banal!

"Não, mas o que é que estão pensando disso - gritou [Razumíkhin], elevando a voz mais ainda. - Pensam que tenho raiva deles [seus amigos] porque dizem absurdos? Estão enganadas. Gosto disso! que se enganem. É a única superioridade dos homens sobre os outros seres. É assim que se chega à verdade. Sou homem, e me engano porque sou homem. Não se chega a nenhuma verdade sem nos enganarmos pelo menos quatorze vezes, talvez cento e quatorze, e isso é até uma honra. Mas nunca nos enganamos de modo geral. Um erro original vale muito mais do que uma verdade banal. [...] Todos, todos sem exceção, é o que lhes digo, nos achamos, no que se refere à ciência, à cultura, ao pensamento, às invenções, ao ideal, ao desejo, ao liberalismo, à razão, à experiência e ao resto, numa classe preparatória de liceu e contentamo-nos em viver com o espírito dos outros (Crime e Castigo - grifo meu).
       Lacan nos indica que o eu é um outro. Talvez se possa dizer que nosso viver é, além desse eterno vestibular para uma faculdade da vida, uma vivência fadada a repetir o que o espírito de outro projeta.  Cruzamento perverso de vontade alheia com o sentimento de ficar enviscado no vestíbulo da existência; da busca da verdade com o sentimento de que o erro é que impera; a existência de cada um se dá nessa relação e não fora dela. Haverá uma saída para entrar na vida autêntica; melhor dizendo, haveria uma vida autêntica, ou esse é mais um termo do idealismo filosófico que grassou pelo pensar humano e o afastou da vida experimental - uma vida que é experiência de viver - sem tino?
      Sartre quis dizer que sim, que uma vida pode ser ou não ser autêntica, mas para defender seu ponto fez uma série gigantesca de obras, que foi do filosófico à literatura, da crítica literária ao teatro. Que eu saiba não conseguiu satisfazer-se com suas respostas; mas bem pode ser porque ele, mais que muitos de nós, soube que somos o que ele grafou, incansavelmente, "liberdade". Liberdade esta que talvez seja nossa condenação a tentarmos nos aprisionar no desejo do outro, para não sentirmos a extensão enlouquecedora de ser livre. Não sei se Sartre, Lacan ou Dostoiévski concordariam com isso; sequer se poderiam dialogar a respeito. Mas sei que, de um modo ou de outro nosso descontentamento em viver o espírito do outro não chega a nos demover no sentido de criar um espírito próprio. E até devemos nos perguntar: "Viver do próprio espírito não seria temerário, uma vez que os limites explodiriam e nada nos serviria de pele continente, e ficaríamos a mercê do desterro ou mesmo do exílio?" 
      Fiódor Dostoiévski sofreu do desterro e exílio; lutou com todas as forças para fazer diferente. Mas, foi porque viveu como "um qualquer", como diria Sartre, é que pode criar um monumento como Os irmãos Karamázov. Depois desta barafunda de ditos, só dizendo algo parecido com: só erram os que tentam acertar. Só acertam os que arriscam fazer. Ou algo do gênero, se me perdoam a bagunça!
     Razumíkhin, talvez tivesse tido, no romance, o status de alterego de Dostoiévski. Quando o personagem diz a frase acima está bêbado, andrajoso, aloucado pelos lindos olhos de Dúnia, irmã de seu amigo Raskólnikov, dividido pelo amor aos amigos que só falam asneiras, pobre ao ponto de parar os estudos... linda frase de um qualquer!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

FREUD - GRUPO DE ESTUDOS

  1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...