Beauté terá sido a palavra francesa que Sartre usou para compor esta frase? Não tenho o original em francês do seu Situations I, onde escreveu a bela frase, que em meu francês claudicante (lembrar que além de nascido francês Sartre escreveu como poucos - prosa, crítica literária, filosofia, peças teatrais etc, em sua língua) vou pensando em palavras como: contradiction e veillée. Bem, vejamos em português, que domino um pouco melhor.
Beauté [pronuncia-se botê] pode significar formosura, lindeza etc; contradiction é fácil - algo como oposição entre dois termos em uma mesma frase. Também dizemos espírito de contradição; ou aquilo que provoca contestação, é contestável, ou seja, o que possui contradição não é incontestável. Velada pode significar coberta, vigiada, véspera, serão, passar sem dormir, guarda; tem a ver com véu, também. Além de outras acepções que depois trarei para o diálogo. De qualquer modo podemos dizer a frase de Sartre - pelo menos a traduzida no Situações I - editada no Brasil, nos seguintes modos:

Sartre, ao que me consta, escreveu consequentemente, ou seja, nada de frases de efeitos só pelo espetáculo gramatical, sintático ou fraseológico. O que não nos exime do sentimento de que, em certas frases, estamos diante de um enigma. Mas podemos começar por aproximar seu dito de outro dito já popular: "A beleza se encontra nos olhos de quem a vê", ou seja, contestável, e por isso, exigindo eterna confirmação de que possui de fato a formosura que lhe imputamos.
A beleza, no dizer de Sartre, bem poderia ser uma realidade que não possui real, ou seja, que não tem certidão, constituindo-se em uma realidade a ser confirmada, guardada dos ataques dos olhares dos outros - guardada até mesmo de si próprio, tornando-se uma realidade de fé. Pois que não é verdade que as vezes nos damos conta de que estamos perguntando se o que vemos como belo de fato o é? Acontece nas melhores mentes, nas mais sinceras relações...
No dia 23 de novembro passado postei "Não te aflijas! O amor é mero acaso!", a propósito desta estranheza de amar-se o feio, transfigurando-o em bonito. Acho que Roxane, para ver Cyrano bonito deverá abstrair, de saída, seu grande nariz que enfeia irreversivelmente, suas faces, sua cabeça inteira. Isso não será problema se a beleza de Cyrano for constantemente velada... em todos os sentidos acima...
(o desenho se refere ao Cyrano histórico; nada a ver com o ficcional, criado por Edmond Rostand)