Luz-25.12.13 09:55h
Desde que me enfeiticei pelo cinema, antes de ter uma tevê em casa - o que só se daria 4 anos após o embruxamento pela telona, já em São Paulo - sempre quis ter uma trilha sonora enquanto ia vivendo meus dias. Em minha fantasia uma música maravilhosa fluía por entre as árvores da avenida Curitiba, em minha cidade natal, escondidas em caixas de som estrategicamente colocadas nos caminhos que eu faria. Como fantasias se esbatem com a realidade, não conseguia imaginar como as caixas tinham sido colocados com seus tweeters, nem como se deslocariam até o Jardim Adriane, onde morava, bem depois da linha do trem, no meio do pasto.
Enquanto não solucionava esse pequeno problema, enlouquecia semanalmente, nos três ou quatro cinemas da cidade, gastando algumas moedas ganhas como guarda mirim, num tempo em que menor podia trabalhar. Viajava para o velho oeste com a música de gaita acentuando o deserto, e o assobio de Django, retocando o clima de tensão no faroeste. Particularmente um que tinha como motivo um dólar furado, que mostrava o milagre de uma providencial moeda no lugar certo e na hora certa - desta vez cara e famosa - salvando a vida do mocinho. Numa das inúmeras vezes que assisti o filme do dólar furado, ao sair do Cine Fênix, ouvi um senhor dizendo para sua senhora: homem de sorte! Ao que ela retruca: sorte uma ova! Foi a mão de deus!
Para mim, interessava que o ar era impregnado de som e a vida andava noutro ritmo. Um ritmo que só a música podia imprimir na existência. As imagens passeavam na tela e eu ali, rendido, sequestrado do mundo sem gosto e desmusicado da realidade, gozando daquele outro mundo onde tudo, mesmo nas histórias mais tristes ou violentas, era brilho e som. Sabia de uma coisa - o cinema era mais emocionante que a vida.
Descobri estes templos de belas mentiras, aos onze anos. Encontrara meu pharmakon mais duradouro. Anos mais tarde, pensei em ser crítico de cinema. Declinei da profissão. Ainda bem, pois teria perdido minha infância, e ficado adulto.
Embalado por estas lembranças, olho as inglesas formas da estação da Luz; o metal curvado fazendo belas barras que sustentam o teto sobre os trilhos dos trens que vão à periferia e cidades derredores. Ali embaixo, uma garotinha senta-se no chão e atira moedas deslizando pelo piso e um homem jovem para cada uma delas com gestos precisos, ora com as mãos, ora com um pé e as atira de volta, tomando cuidado para não ferir a pequena. Uma mulher de traços nordestinos, suaves e arredondados, olha a cena, com olhar descansado e sem compromisso.

Pela janela do trem, que faço de conta que é uma tela, olho a cena enquanto o trem vai saindo devagar. As imagens escorrem pelos olhos. Nada retumbante como em Hollywood; até mesmo pelo contrário - uma cena sem clímax. No entanto, como numa destas magias cinematográficas, que misturam nostalgia, inventividade e música, assisti tudo se distanciando ao som de Era uma vez na America, de Ennio Morricone, e em câmera lenta, como no filme de Kubrick.
Nunca tive paciência para andar com o radinho de pilhas nas orelhas. Tentei o toca-fitas e depois o walkman. Nada se compara aos aparelhinhos tipo M-alguma-coisa ou os celulares. Me rendo à fantasia. Finalmente minha vida pode ter uma trilha sonora. Pena que as aventuras que me aguardam nem se comparam aos Canhões de Navarone, Lawrence da Arábia, A Ponte do Rio Kwai, Intriga Internacional, Contrastes Humanos, Uma Aventura na África, King Kong, Aguirre e a Cólera dos Deuses, Rio Vermelho e outros, que assisti escondido pelo lanterninha, um amigo a quem favoreci ficando em seu lugar na bilheteria do Clube 28, em troca desta contravenção.
Pensando bem, essa foi uma aventura e tanto...