Sandor Ferenczi (1873-1933), psiquiatra e psicanalista húngaro – considerado o “enfant terrible” do movimento criado por Freud – em sua efervescência intelectual e uma série de críticas à técnica ortodoxa de análise, acabou por descobrir a contratransferência – uma reação do analista aos ditos de seu paciente. A contratransferência se traduz pela tendência do terapeuta a considerar suas as questões do paciente. Após um período de alinhamento ao pensamento de Freud, que aconselhava o terapeuta a não se deixar enlaçar nas questões do paciente, Ferenczi, acabou por preconizar o uso da contratransferência e realizando uma análise em que ambos, terapeuta e paciente, fazem a análise mútua, de modo que os pensamentos, sentimentos e sensações corporais do terapeuta são comunicados ao paciente para que este saiba como o outro o sente e vê, num jogo especular. A análise dos sentimentos e sensações surgidas no terapeuta deveriam ser tratadas na sessão, usando as referências pessoais do paciente. Com isso o paciente se dá conta dos modos pelos quais produz sentidos para sua vida e também os sentidos que lhe são impostos.
Apesar do combate que os psicanalistas dedicaram aos escritos técnicos de Ferenczi, sua obra sobreviveu entre muitos sucessores, que as adaptaram para seus próprios proveitos. Dá para ouvir o eco de suas contribuições no trabalho dos freudianos americanos – principalmente a “técnica ativa”, uma intervenção na terapia, com demonstrações de afetos, sejam eles ternos ou agressivos, bem como a “análise mútua”, momento em que o paciente é incentivado a participar ativamente da terapia, como se fosse o terapeuta. É neste momento que a contratransferência é mais explorada.
Há poucos ferenczianos declarados, porém os winicottianos, falam de acolhimento, manejo, suporte e regressão à dependência, com traços ferenczianos o suficiente para traduzir um certo tanto da mutualidade em terapia. É por isso que às vezes um paciente ouve de um psicanalista: “Deve ter sido muito difícil viver na sua pele”. É tanto uma declaração de sensibilidade humana, quanto um distanciamento salutar, uma vez que nenhum terapeuta pode habitar a pele do seu paciente. Mas também é verdade que a terapia é da transferência e transferência é desejo, é amor. Ora, por conseguinte, a contratransferência também está no reino do amor. Daí que uma terapia é sempre terapia sobre a emergência transferencial.
Bem, os traços da obra ferencziana aparecem mais em outros psicanalistas, como os da Ego Psychology americana, que depois, sob a rubrica de Hartmann, se torna Self Psychology. No entanto, nestas alturas Winnicott já não concorda com o caminho que os Self ou Ego Psychologists impuseram ao pensamento de Ferenczi. De modo geral Winnicott continuará, apesar de sua renovação do pensamento freudiano, entendendo que o inconsciente é o objeto de análise. Enquanto que o freudismo americano coloca o ego (self, indivíduo) como o centro de sua atenção.
De minha parte gosto de saber que foi Ferenczi quem disse que fazia análise de crianças e não de adultos. A mim me parece que jamais analisamos adultos e sim crianças nos adultos. O amor infantil, reprimido ou recalcado; a criança no adulto que pede socorro, exige ser amada, implora carinho, sonha terrores, numa cadeia de desacertos existenciais. Penso que cada paciente me traz pela mãozinha uma criança para analisarmos juntos – falando de seus brinquedos (trabalho, hobbies etc), de seus medos (do amor, sexo, aniquilação, agonias etc). Depois de algum tempo, a criança analisada se torna o centro de uma vida viva e livre. O que vemos é um adulto amando amar e amando ser amado.
Foto: https://www.sandorferenczi.org/mdl/?ms_file=ms_3057.jpg
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