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Gaia em feltragem de Sandra Sgarbi |
Pelo menos entre as línguas do tronco indo-europeu e mesmo muitas outras línguas que pouco devem a este tronco linguístico, como o chinês, os fonemas "m" e "a" unidos um ao outro carregam os sentidos de "mãe" e de "amor". E há uma ressonância linguístico-fonética entre o murmurar da criança, seu “m...m...m...m..” ou com sua mumunha, no sentido de manha, que por sua vez tem a ver com mãe. Se não passar como tese linguística, ainda assim lembramos que mãe, mamis, mama (inclusive o seio), manhê, mother, mater, material, matrix, matrka (fluido e matéria em sânscrito), matricial, mundo e outras derivadas destas, são muito provavelmente corruptelas, desvios ou deslizes semânticos e/ou gráficos deste "ma" e "am".
Este vocábulo "am" é, possivelmente, a origem indo-europeia da palavra latina "amor", que ajuda a formar várias palavras do latim, normalmente ligadas a crianças ou ao cuidado com crianças. É o caso da palavra amita, que significa "tia" e mater, que significa "mãe". Há estudiosos insistindo que na raiz do verbo que designa amor em latim está impressa a ideia de plantar, semear. A união íntima entre um homem e uma mulher simbolizaria esse semear, plantar-se no outro. Atualmente, a palavra amor possui diversas acepções, desde a ideia de adoração e devoção, inclusive a deuses, até a atração baseada na pulsão sexual. A expressão “fazer amor”, por exemplo, substitui a expressão “fazer sexo”. Há ainda a possibilidade de que a palavra amor seja a antítese de morte, algo como “amors” ou amorte.
Não parece por acaso que a palavra "mãe", é usada para designar um estado que é o do amor - de um lado "ma" e do outro "am". Do latim, amare, amor, na língua portuguesa, a palavra amor permaneceu com a mesma grafia usada originalmente (amare, amor) para apontar o sentimento de gostar de algo ou alguém, sentir afeição, desejo ou preocupação. “Gostar” de alguém se refere ao quanto é gostoso estar com alguém ou degustá-lo, saboreá-lo, portanto amor pode ser um encontro bem primitivo com o objeto de fruição… um encontro da boca com o corpo, do olhar com a imagem, dos ouvidos com os gorjeios do prazer.
Se nos ativermos a linha do tempo na tradição greco-romana, vemos que Eros é o deus do amor, ou mais exatamente deus-amor. Hesíodo, no século VIII a.C escreveu a Teogonia, um épico em que vemos a mais antiga referência a Eros, que subsistiu até nossos tempos. Para o autor o universo se fez a partir do Caos (Káos), do vazio essencial, do espaço incomensurável de matéria eterna e rudimentar, massa confusa na qual se confundiam os princípios (as propriedades ou tendências) de todos os seres. Do Caos surgiram os deuses primordiais; primeiro Geia, Gaia ou Vesta, nomes da Terra – a sagrada mãe universal de todos os seres, origem de tudo. Das entranhas da terra, nasceu o inferno Tártaro, deus invisível. Por fim surge da mãe, Eros o deus Amor, o mais belo dos deuses, responsável pela união entre todos os seres, aquele que possibilita a procriação de tudo que há no universo.
Os filósofos que antecederam Sócrates e Platão tinham preocupações em explicar o que é o ser, ou matéria, ou universo, ou a vida. No entanto, alguns tentaram se haver com Eros e definir o amor. Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.) introduziu nas querelas sobre o que é o universo e porque as coisas e o homem existem, dois princípios cosmogônicos: Filia - atração, junção, um, unidade, homogeneidade, fusão, casamento e Neikos - repulsão, disjunção, múltiplo, dois, desunião, heterogeneidade, difusão, divórcio. Aristóteles, mais tarde, citando-o, diz: “[os elementos água, ar, fogo e terra] que são eternos é que mudam aumentando ou diminuindo mediante mistura e separação; mas os princípios propriamente ditos, pelos quais são movidos, são Filia e Neikos […] ora misturados pelo Amor, ora separados pelo Ódio”. Citado por Simplicio: “E estas coisas, mudando constantemente, jamais cessam, ora por Amizade convertida em um todas elas, ora de novo divergidas em cada [um] por ódio Neikos". “Afrodite” “Amizade e inimizade” “semelhança e diferença”, são outros termos que Empédocles usa para falar da dialética amor/ódio. Nietzsche o examina: “Nesse mundo de discórdia, de sofrimento e de conflito, ele só descobre um princípio que lhe garanta uma ordem do mundo inteiramente diferente: é Afrodite; todos a conhecem, mas não como princípio cósmico. A vida sexual lhe parece o que há de melhor e de mais nobre, a mais forte resistência ao instinto de discórdia. […] aquilo que se pertencia, foi separado e aspira a se reunir. A Philía quer triunfar sobre o império de Neikos; ele a chama Philotes, Storge, Cypris, Aphrodite, Harmonia”.
Este pré-socrático não parece interessado em definir amor e ódio em termos de valoração moral. Ou pelo menos isso é secundário em seu pensamento. Quando se refere a Filia e Neikos parece entender com isso apenas a atração e repulsão responsáveis por manter todos os elementos em interação. Há uma harmonia entre os dois princípios do universo quando um supera o outro temos a desarmonia, sendo porém impossível o equilíbrio de forças. O amor absoluto reduziria tudo a pó e o ódio absoluto idem. Ambos precisam um do outro para funcionar; um subsiste ao outro indefinidamente.
Seria Demócrito de Abdera (460-370) a qualificar, valorar moralmente o amor, ainda que de passagem. E por isso estabelece que “é amor reto desejar sem desmedida as coisas belas”, ou seja, é amor o desejo às coisas belas, desde que não exagerado; é amor louvável aquele que advém de um desejo correto; e desejo adequado é aquele que não é desvairado. Desejar de modo comedido as coisas belas é amar. E que seriam as coisas belas para um pré-socrático, um homem do seculo IV a. C.? Pois é, aí se entra no terreno das valorações; terreno pantanoso, difícil. Na época tinha a ver com discursar na Ágora, lutar uma luta justa, amar a cidade, cultivar a filosofia.
De algum modo, Demócrito entrou na seara da língua, e foi ele quem se ocupou com a origem de algumas palavras, entre elas "mulher"; Genuíno Magno afirmou: "Segundo Demócrito, a palavra mulher é derivada de semente". Daí que isso nos leva a mãe Geia, que contem a semente de toda vida.
Pouco depois dos pré-socráticos, foi Aristófanes, n'O Banquete, quem se arriscou a dizer que é "ao desejo e procura do todo que se dá o nome de amor". Para ele o amor é a procura do todo que, por conseguinte, nos falta, e nos causa desejo; amar é desejar ser uma totalidade, união, uno; portanto amar é buscar preencher um vazio com um objeto de desejo.
(As referências aos pré-socráticos e a Sócrates são encontráveis na coleção Os Pensadores)
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O texto acima se trata de fragmentos de conversas paridas pelos participantes do Pros&arte, onde aproximamos arte (cinema, literatura, poesia etc) e psicanálise, filosofia e saberes cotidianos de cada participante, no tema-eixo "discursos do amor". São encontros gratuitos, na forma de uma roda de conversas bastando trazer uns comes e bebes. É importante que reserve seu lugar com antecedência, devido ao número restrito de cadeiras.
Para reservar seu lugar fale com Sandra (11)93228-8808). Local das conversas - Vila Mariana - São Paulo
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