segunda-feira, agosto 3

"O homem não coincide consigo mesmo" - II

Continuo com a frase de Dostoiévski. Não a do título da postagem de 10 de julho, mas uma outra em que ele disse algo assim: se Deus não existe tudo é ou será permitido. Antes, porém, quero voltar à frase “O homem não coincide consigo mesmo”. Em Sartre o homem é aquilo que não é e não é aquilo que é; ou a consciência é consciência de, impondo que ser consciente é ser consciência de algo, de situação, de tempo, de desejo – mas, principalmente consciência do outro e não de si mesmo. O sujeito é consciência de tempo, e por causa disso, está sempre noutro tempo que não é aquele que diz estar – se diz do futuro, está no passado; se fala do passado está no futuro; se quer viver o presente condena-se a viver atrasado em relação a si mesmo; se tenta atualizar-se frente a si mesmo atrasa-se no ato mesmo da atualização. Mas que se diga: consciência de tempo não como uma essência hominal olhando para o tempo; e sim um sujeito cuja subjetividade é constituída pelo tempo, nem antes nem depois; um sujeito em que o tempo é essencial, sem ser sua essência, pois o homem não possui essência ou substância, e é isso que faz com que crie um sujeito com o qual não coincide. No limite, cria um deus, com o qual jamais coincidirá, para que se cumpra o sentimento obscuro de não poder dizer o que de fato é.
Aqui retorno sobre ser permitido tudo ao homem que não acredita em um deus. Nada mais falso; isso é criação das ideologias religiosas, que precisam da submissão do religioso para manutenção de seu poder econômico e político. Se um homem não acredita em um deus pode livremente destinar suas forças econômico-políticas para o... político! Não terá mais que fazer sucesso para as massas, ou uma ideologia do fetichismo de mercadoria. Além disso, poderá construir uma vida ética, onde suas forças pessoais são todas dirigidas ao cooperativismo, comunitarismo, associativismo, que são as bases para uma desobediência civil ao deus-mercado – deus que é a forma material do deus das religiões mono e politeístas. A pergunta que se faz é se com esses dois argumentos iniciais – de uma série de outros – se o homem sem deus não seria uma evolução para um homem verdadeiramente politico, cidadão, ético, desprendido do capital, naquilo que o capital o empobrece – numa certa tradição de seres políticos que são representados, coincidentemente, pelos personagens ateus da história. Sartre encabeça esta lista, a meu ver. E isso não o tornou alguém a quem foi permitido tudo, por não acreditar em um deus. Também devo lembrar que algumas sociedades produziram movimentos históricos onde não há deus, o budismo por exemplo, e nem por isso não deixaram de produzir altos extratos morais. Por um lado, Sartre, se preocupou em escrever sobre moral como responsabilidade, cuja morte interrompeu o projeto; e os budistas com sua não-violência inspiram muitos grandes nomes na busca por um mundo melhor que este que o religiosismo monoteísta (principalmente) nos legou. Não sou budista, mas creio que eles representam bem a vida ética que se pode produzir por meio da desistência de fé em deuses.

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