quarta-feira, julho 15

O discurso encarnado:ou a passagem da carne ao corpodiscurso

Resumo técnico da dissertação de mestrado em Análise do Discurso-UNIVÁS

Apresento aqui o percurso de minha dissertação de mestrado e algumas consequências de se falar do corpo do sujeito tendo como ferramentas os saberes da Análise do Discurso, numa pesquisa teórica. O objeto de estudo foi um problema enunciado como a passagem da carne ao corpo como efeito do discurso. Trago os rumos tomados para complexificar a evidência do corpo, uma vez que este aparece como instância nodal do sujeito nos diversos saberes, impondo que só há sujeito em um corpo. Esta aparição do corpo à frente de qualquer relação do sujeito com o mundo encobre sua gênese e constituição. Nesta constituição fica esmaecido que o corpo é, em primeira instância, ainda que teórica, carne. A carne passa a corpo por um processo, que chamei, naquele texto, discursivização da carne, trabalho realizado ciosamente pelos agentes ideológicos que cuidam de imaginá-la, esperá-la, erguê-la, educá-la, administrá-la, alocá-la em corpodiscurso. Todo esse longo processo de discursivização da carne – cuja gênese vem desde antes da concepção e nascimento do indivíduo, se estende por toda sua vida – e não se acaba com o desaparecimento da carne. Esse infinito trabalho e retrabalho do corpo é feito discursivamente e isso implica língua, linguagem, história, ideologia; tendo isso em jogo trouxe à cena as conquistas teóricas da Análise do Discurso, a partir de Pêcheux e Orlandi, autores fundamentais na dissertação, para entender e ampliar a compreensão do corpo como efeito de linguagem, consolidando sua apresentação como a corporificação do discurso. O corpo é a materialidade do sujeito apropriada pelo Estado, remarcado pelas instâncias ideológicas e enformado por uma dialética política. Tal processo erige a subjetividade, desde que entre em cena uma tela de sustentação ideológica, cujos nós são as famílias e seus valores históricos. É nesse entremeio que a dissertação buscou entrever o como se dá a discursivização da carne em corpo, em que lugar isso acontece, em que momento, em que presença. De Louis Althusser emprestei a máxima “indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia”, para desenvolver a idéia de que o sujeito é um efeito ideológico elementar. De D. W. Winnicott usei a expressão “preocupação materna primária”, estado especial da mãe ou de quem faz a maternagem, como o momento onde os efeitos ideológicos se fazem apresentar por meio do corpo maternante e da maternagem. Essa “língua” materna, faz com que a língua estrangeira – a língua do outro – se torne familiar, e que o sujeito, por meio da inscrição deste texto na carne, faça o processo de identificação ideológica. Relembrei, numa teoria do discurso, que este processo se dá no e com o corpo do indivíduo inicial, na carne nascente. Ao interpretar a carne para o bebê a instância maternante erige o corpo, e nessa construção surge o sujeito.
Soube, com a construção do texto, que o conceito de corpo no interior dos vários nichos de saber se apresenta multívoco, ambíguo e deslocando-se constantemente, inclusive retomando conceitos total ou parcialmente abandonados e mesmo conceitos contrários convivendo em uma mesma sociedade de pensamento.
Problemas: ao tentar visualizar essa passagem – como produto da discursivização da carne – parece que acabei por entrar num viés onde o corpo é condição sine qua non para a constituição do sujeito, que a discursivização da carne constrói o sujeito. Entendi que algo se fixou daquilo que Orlandi já trazia de um corpo, que tal como a cidade, deve ser entendido pelo discurso. Talvez algo deva ser dito desta composição corpo/sujeito, onde a barra pode ser a representação da situação sui generis de um sujeito cuja aparição só se dá pela corporalidade – resultado da discursivização da carne infans. Outra dificuldade da proposta são os fantasmas de um certo biologismo e desenvolvimentismo, espectros de psicologismo, que desde Pêcheux se vem conjurando no correr da constituição da AD. Agamben (em Estado de Exceção), ao dizer que não “existem, primeiro, a vida como dado biológico natural e a anomia como estado de natureza, [ou que] a vida pura e simples é um produto da máquina e não algo que preexiste a ela, assim como o direito não tem nenhum fundamento na natureza ou no espírito divino”, nos abre espaço para que em futuros aportes ao corpo o entendamos como pré-existente à carne, ou seja, a carne é uma invenção ideológica, algo que apontei na dissertação, mas não segui com consequencias mais profundasi. Isso implica um sujeito cuja carne é uma invenção linguístico-histórico-ideológica, já objeto da psicanálise, e que pode ser pesquisado pela lente do discurso.
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*Orientada pelo Prof. Dr. Lauro José Siqueira Baldini.
iO Prof. Dr. Ronaldo Martins já apontara esse problema durante a apresentação do texto.

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