Foucault, no Segurança, território, população, cita L.-A.Thiers (em artigo escrito em 1830), na aula de 23 de fevereiro de 1978, para lembrar que em certo momento da história a soberania sobre o território passa a ser o governo de populações. Diz ele: "Poderíamos acrescentar ainda o seguinte: quando falei da população, havia uma palavra que voltava sem cessar - vocês vão dizer que fiz de propósito, mas não totalmente talvez -, é a palavra 'governo'. Quanto mais eu falava de população, mais eu parava de dizer 'soberano'. Fui levado a designar ou a visar algo que, aqui também, creio eu, é relativamente novo, não na palavra, não num certo nível de realidade, mas como técnica nova. Ou antes, o privilégio que o governo começa a exercer em relação às regras, a tal ponto que um dia será [foi] possível dizer, para limitar o poder do rei, que 'o rei reina, mas não governa', essa inversão do governo em relação ao reino e ao fato de o governo ser no fundo muito mais que a soberania, muito mais que o reino, muito mais que o imperium, o problema do político moderno creio que está absolutamente ligado à população" (p99).
Me pergunto, e não sei responder (mas não custa perguntar, já que, como dizem os mineiros, perguntar não ofende) se no caso do Lula, não temos uma certa inversão da proposta foucaultiana: "Lula não governa, mas reina". Às vezes pela bufonaria, como quando responde a FHC, que questiona seu governo, com ataques hilários, dizendo que FHC estava despeitado por Lula não ter se dado mal na governança. Só mesmo, ao meu ver, um governo que se toma por um rei poderia dar-se ao luxo de não responder a um questionamento de suas práticas de governo - e fazer argumentação de cozinha ou de sala de estar em dia de jogo de buraco, na casa do amigo do primário. Como poderia um presidente responder como se fosse uma briga de comadres pelo melhor bolo de fubá, ou descer o nível da conversa ao fundo do inobservável, se não se sentisse inatacável como um rei, imperador, soberano. Lula deve ter realmente esse poder que o exime de uma discussão responsável, afinal, esperto como é, não se exporia a essa tagarelice surda. O povo o colocou no poder e ele sabe muito as técnicas de dirigir populações, conhece como ninguém os meandros da economia do poder e de como se manter nele e, finalmente, se diverte com seu reinado, já que governar, não estou certo de que o faça. Enfim, a população o colocou lá para que a governe, mas o que melhor ele sabe fazer é gozar da soberania. Que Foucault me perdoe a exorbitância a partir de seu texto!
Alguém inapelavelmente embruxado pelos livros, cinema, teatro e outras artes, não necessariamente nesta ordem. Daí estes fragmentos de experiências. levileonel@yahoo.com.br Veja Também: https://avidanaserradocervo.blogspot.com https://psicologonobrasil.blogspot.com https://ateliedecorpo.blogspot.com
Assinar:
Postar comentários (Atom)
FREUD - GRUPO DE ESTUDOS
1 – Dos livros: vamos ler a publicação das “Obras Completas de Freud", da Companhia das Letras, tradução do alemão, que por sua vez, ...
-
O teísmo é uma doutrina comum ao monoteísmo (catolicismo, judaísmo e islamismo), que se opõe ao deísmo e ao ateísmo, apegada à idéia de fide...
-
Beauté terá sido a palavra francesa que Sartre usou para compor esta frase? Não tenho o original em francês do seu Situations I , onde escre...
-
"Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica ...
-
Cyrano está mortalmente ferido por seus traidores e acaba se deixando descobrir como aquele que de fato fizera cada carta de amor que l...
-
No final da década de 70 passei a ter as funções de professor de Kung Fu estilo Wing Chun, na antiga União Nacional de Kung-Fu. Já havia pr...
-
Conceitos indianos mais comuns (texto escrito para os cursos de Terapêutica Samkhya 1990-2000 - inédito) Apresentação Essa obra foi escrita ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário