quarta-feira, novembro 11

"O rei reina, mas não governa"! E o Lula?

Foucault, no Segurança, território, população, cita L.-A.Thiers (em artigo escrito em 1830), na aula de 23 de fevereiro de 1978, para lembrar que em certo momento da história a soberania sobre o território passa a ser o governo de populações. Diz ele: "Poderíamos  acrescentar ainda o seguinte: quando falei da população, havia uma palavra que voltava sem cessar - vocês vão dizer que fiz de propósito, mas não totalmente talvez -, é a palavra 'governo'. Quanto mais eu falava de população, mais eu parava de dizer 'soberano'. Fui levado a designar ou a visar algo que, aqui também, creio eu, é relativamente novo, não na palavra, não num certo nível de realidade, mas como técnica nova. Ou antes, o privilégio que o governo começa a exercer em relação às regras, a tal ponto que um dia será [foi] possível dizer, para limitar o poder do rei, que 'o rei reina, mas não governa', essa inversão do governo em relação ao reino e ao fato de o governo ser no fundo muito mais que a soberania, muito mais que o reino, muito mais que o imperium, o problema do político moderno creio que está absolutamente ligado à população" (p99).
Me pergunto, e não sei responder (mas não custa perguntar, já que, como dizem os mineiros, perguntar não ofende) se no caso do Lula, não temos uma certa inversão da proposta foucaultiana: "Lula não governa, mas reina". Às vezes pela bufonaria, como quando responde a FHC, que questiona seu governo, com ataques hilários, dizendo que FHC estava despeitado por Lula não ter se dado mal na governança. Só mesmo, ao meu ver, um governo que se toma por um rei poderia dar-se ao luxo de não responder a um questionamento de suas práticas de governo - e fazer argumentação de cozinha ou de sala de estar em dia de jogo de buraco, na casa do amigo do primário. Como poderia um presidente responder como se fosse uma briga de comadres pelo melhor bolo de fubá, ou descer o nível da conversa ao fundo do inobservável, se não se sentisse inatacável como um rei, imperador, soberano. Lula deve ter realmente esse poder que o exime de uma discussão responsável, afinal, esperto como é, não se exporia a essa tagarelice surda. O povo o colocou no poder e ele sabe muito as técnicas de dirigir populações, conhece como ninguém os meandros da economia do poder e de como se manter nele e, finalmente, se diverte com seu reinado, já que governar, não estou certo de que o faça. Enfim, a população o colocou lá para que a governe, mas o que melhor ele sabe fazer é gozar da soberania. Que Foucault me perdoe a exorbitância a partir de seu texto!

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